“Sem conserto” conta a saga de uma mulher que vai
da esperança ao desencanto, à consciência da impotência de “ser” no mundo
contemporâneo, que encontra na música a única salvação. No contexto de
uma encenação absurda, serve a metáfora da arte como redenção, como também o
fato concreto de que, se a personagem, que nasceu em uma casa sem móveis,
apenas com os pianos que o avô consertava, consegue transformar seu único filho
em um grande concertista, os tempos de miséria podem estar com os dias
contados.
Anna, a personagem, fugiu da Rússia ainda
adolescente em decorrência “da guerra” e de um casamento arranjado com um homem
de mais idade. A peça não é localizada, se concentra em contar a história dessa
mulher que é a de tantas outras, portanto, “da guerra” faz referência a todas
as guerras e aos danos psicológicos, morais e pessoais causados por elas. Foi
com uma cia de dança, sem saber que destino tomar e só ao chegar à Argentina,
percebeu que se tratava de um cabaré, onde teve que trabalhar como prostituta.
Após um tempo de percalços vividos na Argentina, retorna à Rússia na esperança
de casar com o homem de mais idade do qual fugiu e que agora, poderia resolver
seu problema de “estar” no mundo. Mas, grávida não é mais possível casar.
A partir daí, começa a história de Anna e seu
filho. O plano e as estratégias que cria, antes mesmo do filho nascer, para
transformá-lo num grande pianista. Como as pedintes que estão a cada esquina do
espaço urbano, que usam seus filhos dependurados na cintura como meio de sobrevivência,
ela, desesperadamente se agarra na convicção de que a música é o único jeito, é
a única coisa que pode fazer para que o filho sobreviva e a mantenha viva e bem
alimentada. Sob o ponto de vista de quem pára confortavelmente no trânsito e
observa o que essas mulheres pedintes são capazes de fazer, Anna também
desenvolve uma lógica irracional, constituindo uma rotina para o filho que
contraria totalmente as regras de uma educação feliz e saudável, chegando mesmo
a crer que a felicidade de que dizem por aí é só uma sensação de felicidade,
...“feliz mesmo é quem consegue tocar a Passionata de Bethoven, a Rapsódia
Húngara de Liszt, Villa lobos, Rachmaninoff”...
É considerada louca, perde temporariamente a guarda
do filho. E como outros “loucos” da história, de outros tempos, que tiveram
outros destinos, como o pai do Bethoven que bêbado batia no filho para ele
tocar, ou o de Mendelssohn, o de
Erich Korngold que transformaram seus filhos em crianças prodígio, Anna vê na
música, não só a possibilidade de viver concretamente neste mundo, mas, a mais
contundente e eficaz oportunidade de ser, de sentir e existir para além deste
tempo.
Ao longo do monólogo, executado pela atriz, um
pianista tocará obras do repertório erudito como Scriabin Estudos Op. 2, n
1, Op. 8, n12; Rachmaninoff, Preludio em sol menor – Op.23, n 5;Liszt –
Rapsódia Húngara , n11; Satie - Trois Gymnopédies. São obras que, mesmo aos não amantes do estilo, difícil é sair
ileso ao ouví-las ao vivo em função do virtuosismo e da grandeza dessas
criações.
A escolha dessas obras e do tipo de pianista,
virtuoso e carismático, é para que o público compreenda sensorialmente essa
mulher, fazendo da música esse canal, por onde o público percorre e
embarca nas lembranças e questões a personagem.
Apesar de pessoal, a experiência com
música, em geral é significativa, por isso Anna mostra o
filho tocando, para sensibilizar o público e atingir o seu objetivo, dinheiro.
Através só do discurso, talvez ela não fosse tão bem sucedida.
Atores:
Daniel Grajew e Lorena Lobato
Texto/Argumento:
Lorena Lobato
Lorena
Lobato tem formação em artes cênicas, música e
dança.
Daniel
Grajew é músico, arranjador e compositor
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