Se não
for o amor, então é a bomba que vai nos unir (The Smiths)
Três peças do grupo carioca Amok
fecharam a Mostra de Teatro Contemporâneo 2012. A primeira, Histórias de família, ambientada na antiga
Iugoslávia, é a peça mais recente do grupo. Contextos tão diferentes não
enfraquecem a relação direta da temática violência com o nosso cotidiano.
O mais novo trabalho do Amok Teatro passou por Maringá |
A narrativa é dividida em três momentos que se
misturam, confundindo-se, como se fosse uma brincadeira de crianças se
comportando como os adultos. É uma escolha quase metalinguística, já que
evidencia a intenção de contar histórias. Histórias que tratam da violência
buscando quadros comuns ao modelo tradicional de família de sociedade
patriarcal: o pai provedor é a ligação da família com o mundo, enquanto a mãe funciona
como mediadora entre pai e filhos.
Rosana Barros. Foto: Rafael Saes |
O humor atinge o público
justamente por ser transmitido a partir de cenas facilmente identificáveis pelo
público. Essa identificação, reforçada pelo uso de expressões idiomáticas
próprias do português, aproxima as narrativas vividas pela família às experiências
familiares do espectador. Dá-se início da aproximação entre Brasil e antiga
Ioguslávia – não estávamos tão distantes assim, afinal.
Stephane Brodt e Beto Lemos em O Dragão. Foto: Rafael Saes |
Aliás, é impossível ignorar a
situação de bairros mais afastados como o Parque das Laranjeiras, Conjunto Ney
Braga e Requião, além de cidades menores da redondeza, como Sarandi, onde se
concentra um grande contingente da mão-de-obra da cidade.
“Jerusalém é o mundo”. A fala da mãe judia em O dragão sintetiza este pensamento. O
espetáculo aborda os conflitos entre Palestina e Israel. Melhor: os conflitos
entre palestinos e judeus. Porque é focalizando o povo que o grupo Amok situa,
novamente, a guerra no interior do núcleo
familiar.
A atriz Márcia do Valle em cena de O Dragão. Foto: Rafael Saes |
A aproximação dos dois povos é materializada
na cena em que os atores, que vivem os palestinos, apenas trocam de roupa para representarem
os judeus, na frente do público. A troca de instrumento também é simbólica. A união,
entre os dois povos, é contra o ‘dragão’ - deus dos mortos. Em nome dele se
matam crianças.
O contexto de divergência entre
Palestina e Israel é atualíssima. Segunda-feira (27), no dia posterior à
apresentação da peça, circula a notícia “Israel prende três adolescentes por
ataques a palestinos”. Três crianças explodindo pessoas.
Pensar em guerra é inevitável. Quando
a guerra não se está declarada, pode-se afirmar a paz? O status do Brasil é de
paz, mas em 30 anos quase 1 milhão de pessoas foram assassinadas. Números de
guerra.
Cartas de Rodez, espetáculo mais premiado do Amok Teatro. Foto: Rafael Saes |
A terceira peça, encerrando a
Mostra, traz as cartas escritas pelo dramaturgo, ator, poeta Antonin Artaud (1896-1948).
A peça de 1998 é a mais antiga da Companhia, o espetáculo demonstra o intenso
trabalho de expressão corporal do diretor Stephane Brodt.
Rodez é o hospício onde Artaud passou os últimos anos de sua vida. A ação,
novamente, gira em torno da violência. O monólogo corresponde à situação de Artaud
em Rodez, julgado louco por “um mundo de deformados”.
Estar louco é vibrar em
frequência diferente da maioria, então se o mundo é o dos deformados, ser louco
torna-se algo , “é bom estar doente”. Essa desarmonia entre o dramaturgo e o
mundo ‘normal’ também se expressa por meio da música desarmônica e pelas
gravações de uma voz angustiada. Trechos em francês, sem tradução, são usados em
cenas que remetem ao tratamento de choque sofrido por Artaud e a sua psicose. O
ambiente soturno é reforçado pela projeção de várias sombras do próprio Artaud,
como se as figuras deformes e noturnas fossem os diabretes que lhe confundiam o
juízo.
Foto: Rafael Saes |
Após assistir as três peças percebem-se
algumas características próprias do grupo AMOK. Destacam-se aqui alguns destes.
Os trechos encenados em outra língua, sem tradução, são uma ótima oportunidade
para o contato do público com a cultura do povo representado. Apesar da mensagem
desconhecida, percebe-se a energia e a cultura pela língua, música e dança.
Assim como nas duas outras
peças, a importância da música é capital. A música pode ser considerada
protagonista, já que não serve apenas como moldura da narrativa, mas auxilia na
maneira como as histórias são narradas. É interessante pensar nestes elementos
como marcadores culturais, que identificam o povo que está sendo tratado.
Por fim, na mesa redonda citada anteriormente, surgiu
um comentário surpreendente: “A arte não serve para nada”. Depois de participar
da Mostra de Teatro Contemporâneo só posso discordar.