O Coletivo de Teatro Alfenim, da
Paraíba, se apresentou pela primeira vez em Maringá com o monólogo
“Brevidades”, protagonizado brilhantemente pela atriz Zezita Matos. Ao adentrar
o cenário, o público era convidado a compartilhar das angústias, medos, preconceitos
e vaidades de uma atriz com Alzheimer. Os espectadores tornavam-se, assim,
parte do próprio cenário ao sentarem-se em mesas de chá que faziam parte do
mesmo ambiente da atriz, passando a ser os outros personagens da peça: seus
confidentes. Ao utilizar-se da
metalinguagem e trazer o teatro para dentro do teatro, no entanto, o discurso
poético de uma vida a procura de um sentido e abandonada não corre o risco de
cair nas armadilhas do subjetivismo – muitas vezes, risco caro ao monólogo.
Assim, Eleusa, que se esquece do ato de representar, não deve ser vista apenas
como uma subjetividade em desmantelamento devido a uma doença sem cura: tema
propício à identificação e ao compadecimento do público. Ela torna-se, ao
contrário, a crítica desse subjetivismo tacanho e fácil por meio da rememoração
de seu passado, sendo muito mais que um indivíduo em crise compartilhando
angústias pessoais. A personagem representa, por meio desse recurso épico, uma
classe social: a burguesia. Sendo a representação de uma coletividade, desnuda
e revela comportamentos naturalizados pela classe dominante que não vê
problemas em, por exemplo, recordar-se da relação cordial com a empregada
negra, pautada pela anulação dessa subjetividade em prol de seus caprichos
pessoais. Resulta daí o elemento formal do distanciamento que possibilita ao
público refletir criticamente acerca de um indivíduo, facilmente identificável
no meio social em que estamos todos inseridos. Historicizar, assim, a
fragmentação do sujeito é tarefa necessária no cenário atual do teatro
contemporâneo. Ao questionar – e esperar uma resposta – das pessoas da plateia
sobre o porquê de sua presença “em sua casa”, ao convidar um dos espectadores
para sentar-se na sua mesa de chá e contar-lhe também sobre sua vida e ao crer
que ora um, ora outro espectador era, na verdade, seu ente próximo, Eleusa
revela o processo de reassimilação a que o Alzheimer obriga e faz com que o
espetáculo nos imprima um novo sentido à velha conhecida frase “a vida é um
palco”. Ao revelar poeticamente e, muitas vezes, em brevidades, os percalços da
vida individual, da vida social e da doença marcada pelo esquecer-se a si
mesmo, o Coletivo de Teatro Alfenim fez o público refletir não só sobre a
condição de estar no mundo, mas, principalmente, sobre a condição de estar com
outros. Surpreendente mesmo é ter feito isso pela forma do monólogo.
Camila Hespanhol Peruchi faz parte
do grupo de Crítica Literária Materialista da Universidade Estadual de Maringá.
Fotos: Rafael Saes
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