quarta-feira, 27 de novembro de 2013

"Brevidades": A vida é um palco



O Coletivo de Teatro Alfenim, da Paraíba, se apresentou pela primeira vez em Maringá com o monólogo “Brevidades”, protagonizado brilhantemente pela atriz Zezita Matos. Ao adentrar o cenário, o público era convidado a compartilhar das angústias, medos, preconceitos e vaidades de uma atriz com Alzheimer. Os espectadores tornavam-se, assim, parte do próprio cenário ao sentarem-se em mesas de chá que faziam parte do mesmo ambiente da atriz, passando a ser os outros personagens da peça: seus confidentes.  Ao utilizar-se da metalinguagem e trazer o teatro para dentro do teatro, no entanto, o discurso poético de uma vida a procura de um sentido e abandonada não corre o risco de cair nas armadilhas do subjetivismo – muitas vezes, risco caro ao monólogo. Assim, Eleusa, que se esquece do ato de representar, não deve ser vista apenas como uma subjetividade em desmantelamento devido a uma doença sem cura: tema propício à identificação e ao compadecimento do público. Ela torna-se, ao contrário, a crítica desse subjetivismo tacanho e fácil por meio da rememoração de seu passado, sendo muito mais que um indivíduo em crise compartilhando angústias pessoais. A personagem representa, por meio desse recurso épico, uma classe social: a burguesia. Sendo a representação de uma coletividade, desnuda e revela comportamentos naturalizados pela classe dominante que não vê problemas em, por exemplo, recordar-se da relação cordial com a empregada negra, pautada pela anulação dessa subjetividade em prol de seus caprichos pessoais. Resulta daí o elemento formal do distanciamento que possibilita ao público refletir criticamente acerca de um indivíduo, facilmente identificável no meio social em que estamos todos inseridos. Historicizar, assim, a fragmentação do sujeito é tarefa necessária no cenário atual do teatro contemporâneo. Ao questionar – e esperar uma resposta – das pessoas da plateia sobre o porquê de sua presença “em sua casa”, ao convidar um dos espectadores para sentar-se na sua mesa de chá e contar-lhe também sobre sua vida e ao crer que ora um, ora outro espectador era, na verdade, seu ente próximo, Eleusa revela o processo de reassimilação a que o Alzheimer obriga e faz com que o espetáculo nos imprima um novo sentido à velha conhecida frase “a vida é um palco”. Ao revelar poeticamente e, muitas vezes, em brevidades, os percalços da vida individual, da vida social e da doença marcada pelo esquecer-se a si mesmo, o Coletivo de Teatro Alfenim fez o público refletir não só sobre a condição de estar no mundo, mas, principalmente, sobre a condição de estar com outros. Surpreendente mesmo é ter feito isso pela forma do monólogo.



Camila Hespanhol Peruchi faz parte do grupo de Crítica Literária Materialista da Universidade Estadual de Maringá.
Fotos: Rafael Saes

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