O riso escancarado da solidão do sujeito
moderno. A ácida crítica na confortável forma da comédia. O farsesco que quase chega
a tocar a ferida dos recalques humanos. Um escorregar na casca de banana que
não só dói, mas faz pensar e incomoda. A abertura da Mostra de Teatro
Contemporâneo de Maringá, já em seu terceiro ano de realização, trouxe para o palco
do Teatro Marista o espetáculo “Nada de Novo”, do grupo Parlapatões, Patifes
& Paspalhões, de São Paulo, há mais de vinte anos na estrada. Sob o mote de não existir nada de novo a se
apresentar, dito por dois personagens no início do espetáculo, uma série de esquetes
circenses e teatrais é apresentada de forma a conduzir o espectador a refletir sobre
sua própria presença no teatro, sua alienação frente à ditadura da televisão, a
necessidade da arte na sociedade, a crise da comunicação no seio familiar. Tudo
numa linguagem para todos. E nada mais reflexivo para a abertura de uma mostra do
que escancarar no palco, com tímidas papas na língua, o papel do teatro frente à
era da tecnologia através de uma grande onda de risos e palhaçadas, que não
busca identificação realista, pois para os mais maduros as piadas soaram como
velhas conhecidas, escamoteadas num tempo/espaço em que o circo ainda era
místico.
O público, convidado a fingir que não
sabe que os atores fingem serem personagens que apenas estão fingindo ser algo
que não o são, entra no mundo da imaginação, inserido entre o paradigma do ser
e o do representar: mas essa transmutação imaginária necessária para se
alcançar a fantasia não será utilizada para recontar as histórias dos
Cavaleiros, Reis, Rainhas e Duques de Shakespeare, mas sim para adentrar o
universo dos comediantes, onde não há nada de novo, mas um riso que ficou para
trás na medida em que o circo perde o seu espaço no cotidiano. A extinção do
riso se faz na metáfora sugerida a certa altura da peça pelo personagem de Hugo
Possolo, aliás, de interpretação admirável: por trás de todo sorriso, há também
a morte, a forma da caveira humana; e ao rirmos, deixamos transparecê-la. É a dialética da existência, o outro lado da
moeda, o cômico e o trágico imbricados em incomodar o espectador – que se
esconde em si mesmo quando o Professor, interpretado por Possolo, pede para que
seu assistente de palco (Raul Barreto) busque alguém da plateia para o seu
teste teórico sobre como se faz rir, parte três. É catártico, é paspalhão, não
poderia ser diferente. Mas ao botar o dedo na ferida da gargalhada calada, se
mostra como reflexivo e dialético – e o cômico passa a se auto-discutir.
O reencontrar do espaço do cômico, da
arte circense, do riso, do teatro, a possibilidade da existência da arte e da
poesia na desenfreada velocidade cotidiana se fazem reverberar na cena em que a
trupe coloca no palco um símbolo: um chapéu, utilizado em espetáculos cômicos
desde Karl Valentin e Charles Chaplin, que representa o artista. Dentro dele há
um tijolo, “que é pra dar peso no trabalho”. E no tijolo uma flor, que é pra
não deixar “faltar poesia nessa merda”. E assim, longe da polidez do teatro
clássico e mesmo das piadas senso-comuns vendidas como produtos no mercado do
entretenimento global, o quarteto em cena consegue motivar simultaneamente as
gargalhadas dos mais jovens e fazer cerrar as sobrancelhas dos mais velhos.
Não se pode deixar de mencionar a explícita
preparação corporal dos atores alinhada à capacidade de manter o público na
maré de tiradas cômicas, num domínio técnico de timing como pouco se encontra na comédia brasileira. Além disso, a
rapidez em interagir com o público, com o espaço, com as eventualidades
infinitas que ocorrem durante o espetáculo numa quase naturalidade realça o
domínio da forma do improviso de seus integrantes. Enfim, com certo tom de
teatro que se discute, autocritica e se reflete enquanto prática social, quase
que num movimento de “morde e assopra”, a Mostra de Teatro Contemporâneo
inaugurou suas atividades em 2013 reunindo uma heterogênea plateia que,
agradavelmente, pôde compartilhar a quase extinta gargalhada, colocada em
choque ao transformar o momento da diversão na mais ácida paspalhada social.
Thaís
Aparecida Domenes Tolentino faz parte do Grupo de Crítica Literária
Materialista da Universidade Estadual de Maringá.
Fotos: Rafael Saes
Fotos: Rafael Saes
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