“Yolanda Calaboca” é um trabalho desenvolvido pelo Cia Casa
das Fases – Núcleo de Arte e História com Senhoras e Senhores, de Londrina, que
traz à cena um monólogo realizado pela atriz Carmem Mattos, de 82 anos. O
espetáculo apresenta ao público um cenário que logo traz à tona seu tema:
memória de uma vida vivida. Fechado por uma cortina de tule que era aberta
lentamente pela própria atriz que entrava em cena carregando uma mala, o palco
revelava uma colcha de renda que formava uma espécie de “casa-cabana” e alguns
objetos que remetiam ao tempo passado: uma máquina de costura, um ferro antigo
e um ventilador velho. Segundo a Cia, uma pesquisa sobre a velhice e a loucura
deu origem ao espetáculo.
Se o monólogo trazia poucas falas, no entanto, o cenário,
os gestos e a trilha sonora conduziam o espectador pelos labirintos de uma
memória que, não sem perturbação, revelava as perdas de uma vida. Entre elas,
um aborto - simbolizado por uma cena em que a personagem retira de dentro da
blusa um tecido vermelho - que ainda reverberava vivamente na memória como
aquilo que poderia ter sido e não foi. Não só na memória e nem só no pano
vermelho, no entanto, estavam as marcas dessa desilusão. O vestido de tule
perolado e envelhecido da atriz trazia em sua saia vários bonecos de pano
pendurados. Também a sua mala continha
um boneco em tamanho real – como um peso a ser carregado ao longo do percurso.
Era este boneco, agora, que, tido como filho, lhe acompanhava na tentativa de
prosseguir com uma vida que não mais passível de ser recomeçada, buscava, em
cena, reconstruir-se atravessando as fronteiras entre a lembrança e a
imaginação.
Um pano colorido com a imagem de Nossa Senhora Aparecida
pendurado em um varal e frases que remetiam a religião possibilitavam ao
espectador inferir uma espécie de culpa da personagem diante das atitudes
cometidas. A cor vermelha do seu batom, do seu esmalte, do pano e do
guarda-chuva era presença forte no palco e contrastava vivamente com a palidez
e o apagamento do restante do cenário e do figurino, ambos bege perolados. O
contraste das cores pareceu enfatizar a vivacidade do tempo passado (ainda
presente) no tempo atual, marcado pelo apagamento.
Os elementos dispostos em cena tornavam-se, assim, os
responsáveis por comunicar simbolicamente as sensações e os sentimentos que às
lembranças – doloridas e chocantes - calavam.
Somam-se a eles as expressões oscilantes e os movimentos da personagem
que gargalhava, dançava com seu boneco, fumava um cigarro, abraçava a mala,
segurava o guarda-chuva em uma chuva imaginária... A fragmentação das cenas
refletia uma subjetividade também fragmentada que compunham verossimilmente o
descompasso da loucura. O espetáculo é também uma homenagem a uma das atrizes
pioneiras da Cia, Jandira Testa que, a princípio, também fazia parte da
montagem e que faleceu no ano passado, mas concretiza-se como uma homenagem à
vida e suas dores e, portanto, “à vida, apenas, sem mistificação”, para usar as
palavras de Drummond.
Camila Hespanhol Peruchi faz parte do grupo de Crítica Literária
Materialista da Universidade Estadual de Maringá.
Fotos: Rafael Saes
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