domingo, 12 de agosto de 2012

A dor da infância


Parte do elenco da Mungunzá / foto: Bob Sousa

Exercício crítico por Victor Simião

Antes de começar a peça, alguns dos atores da Companhia Mugunzá de Teatro (SP) estavam próximos à fila que se aglomerava na porta do teatro. Um deles tocava suavemente uma sanfona, que mais tarde seria utilizada para fazer a trilha de fundo do espetáculo.

O som produzido pelo instrumento era agradável, mas concorria com um maior, que vinha do lado do teatro. Ali, no mesmo momento, estava ocorrendo uma festa do bairro, com música ao vivo, barracas de comida e muitas pessoas andando de um lado para o outro.

As portas se abriram e as pessoas se acomodaram em seus lugares. O palco é belo. Os elementos em cena são vários: piano, boneca, cadeiras, telefones amarrados por barbantes. Já enche os olhos e a expectativa de quem está ali, esperando para ver a história da menina romena.

O espetáculo Porque a criança cozinha na polenta tem direção de Nelson Baslkerville e foi inspirada no livro homônimo da autora romena Aglaja Veteranyi, que se suicidou em 2002. A história é autobiográfica e, durante seus 80 minutos, exibe dor, abandono e superação.

Aglaja é interpretada pela atriz Sandra Modesto. Os atores Lucas Beda, Marcos Felipe, Verônica Gentilin e Virginia Iglesias interpretam vários tipos, incluindo a família da protagonista.

A menina romena nasceu em uma família circense: seu pai era palhaço e sua mãe trapezista com o cabelo. Ela queria que sua filha fosse como ela.

Diálogos rápidos, movimentos constantes e olhares certeiros são alguns dos pontos fortes da peça. Logo nos primeiros minutos, a fala do pai de Aglaja, interpretado por Marcos Felipe, assusta: “Deus não existe!”, berra.

E a história começa a se construir. A família circense vivia na cruel ditadura do então presidente Nicolae Ceausescu, chamado por eles de “sapateiro”. Eles fogem com o circo e se apresentam em outros lugares da Europa, procurando um lugar melhor e mais feliz para se viver – coisa que não acontece.

Aglaja quando o medo toma conta de seu espírito, ou quando está triste, sempre questiona: “Por que a criança cozinha na polenta?”, e cada vez, surge uma resposta absurda e às vezes até cômica.

Ela vive momentos tristes como a violência doméstica, o alcoolismo, o abuso sexual e as várias formas de exploração que passa ao lado de sua família, e às vezes, longe dela.

A inocência da menina nos deixa perplexo, mas também nos mostra o quanto o coração de uma criança pode sofrer sem ter noção das consequências futuras daquilo.

O sentimento de dor nos consome pouco a pouco. Não é tão difícil imaginar o quanto ela sofreu. O mais triste é saber que ela é uma criança, não um adulto que já conhece as mazelas da vida, um adulto que sabe se virar sozinho, quando necessário.

O picadeiro de sua jornada não foi tão alegre quanto o do circo de seu pai. Seus sonhos de menina foram desencorajados pela cruel realidade que viveu e sobreviveu que, entretanto, acabou sucumbindo em 2002

Instigante, emocionante e inspirador são palavras simples, mas que resumem o espetáculo Porque a criança cozinha na polenta.

Victor Simião é estudante de jornalismo e comentarista de literatura na Rádio Universitária Cesumar.

(Texto escrito como exercício da oficina Cultura da Crítica, no âmbito da Mostra de Teatro Contemporâneo. Não possui caráter valorativo).  

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