Por Ana Luiza Verzola
Bruce Araujo e Stephane Brodt em cena. Foto: Rafael Saes |
Os movimentos são extremamente calculados, respeitando as batidas da música que nos carrega ao próprio palco, dançando a rotina destroçada. O menino brinca com uma bola, a mãe serve a janta e o pai lê jornal – aparentemente uma reunião normal, como acontece na maioria das casas. A coreografia é precisa e leve, e se repete em momentos esparsos em “Histórias de Família”, espetáculo da companhia Amok, do Rio de Janeiro, que encerra a “Trilogia da Guerra”, iniciada em 2008 e formada também por “O Dragão” e “Kabul” – este último infelizmente não se fez presente no palco da 2ª Mostra de Teatro Contemporâneo de Maringá. O elenco é formado pelos atores Bruce Araújo, Christiane Góis, Rosana Barros e Stephane Brodt, e a direção fica a cargo de Ana Teixeira e Brodt.
Uma maneira distinta de registrar a educação e a convivência. As bonecas ao fundo dão tom de uma infância devastada, que nos permite descobrir pouco a pouco o motivo já evidente: a guerra. Os reflexos são presenciados nas ações que chocam a cada história de família ali vivenciada – dizer que o espetáculo foi meramente encenado não daria total crédito à força de cada cena, de cada grito e cada momento de alívio ocasionado pela trilha sonora ambientada – temos um momento de contato com a Iugoslávia já destruída pelo combate. Os aproximados 100 minutos de peça não são domados pela total tensão da violência, pelo contrário. Reserva momentos de riso contido e gargalhadas permitidas. Configura-se em um conta-gotas de experimentação, onde compartilhamos dor, angústia e momentos hilários protagonizados por famílias areadas.
Foto: Rafael Saes |
O pai desconta o ódio incontido na mãe e no filho. O filho aprende com o pai que pode também descontar na mãe, porque é mulher – ele mesmo profere, “mulher é mais fraca”. Mesmo ensinando a ação como verdade, o pai torna a repreendê-lo. A mãe submissa direciona os acontecimentos, preenche frases vazias como se ansiasse por preencher o vazio permanente na própria família. Por fim, trata uma refugiada da guerra como o próprio cachorro – a quem pode descontar as infâmias vivenciadas no ambiente. O cenário contempla as referências de um lar, com delimitação de paredes, televisão, uma janela. Ao fundo, um quadro negro perfurado por balas que tornam a existência da guerra mais presente. Bonecos mutilados em cadeiras alinhadas. O horror toma forma humana.
Christiane Góis e Rosana Barros. Foto: Rafael Saes |
Ana Luiza Verzola é estudante de Jornalismo e estagiária no jornal O Diário do Norte do Paraná.
(Texto originalmente publicado no blog "Do singular ao plural" - www.luizacomz.wordpress.com)
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