quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Carmen além do mito


Emilie Sugai e Lee Taylor em Foi Carmen / foto: Rafael Saes

Exercício crítico por Karyna Bühler de Mello

A primeira edição da Mostra de Teatro Contemporâneo de Maringá, no ano passado, demonstrou ousadia na escolha de seu repertório. E o primeiro dia dessa segunda edição, na última terça-feira, 7, não poderia fugir à proposta de seus organizadores, que apesar de cometerem algumas falhas no que diz respeito à pontualidade e organização, demonstram coragem e comprometimento, requisitos importantes para que um evento de tamanha proporção se desenvolva em um ambiente em que essa forma de arte mais ousada ainda não está disseminada.

O Grupo de Teatro Macunaíma & Centro de Pesquisa Teatral do Sesc-SP, já em sua segunda visita à cidade (estava na Mostra de 2011), apresentou a peça Foi Carmen, homenagem a Carmen Miranda, ícone da música brasileira e, mais que isso, ícone da cultura brasileira, que nessa montagem desafia as próprias questões nacionais e linguísticas ao entrelaçar universos distintos que se completam por meio de signos que compõem o ambiente da peça, conferindo a realização estética da mesma que perpassa pelo ideário de uma sociedade.

O cenário é construído por meio da personagem ou figura que, ainda em sua infância, tem o sonho de ser artista. Essa construção é permeada de sentido; a Menina interpretada por Mariah Teixeira entra em cena contando passos, de forma rígida, sem deixar de ser graciosa, ao mesmo tempo que ofegante em alguns momentos, o que nos permite a leitura de alguém que ainda está reconhecendo ou conhecendo o ambiente em que está inserido, e que traz consigo certo encantamento e euforia para realizar seus sonhos. Esse cenário, com apenas um microfone e algumas cadeiras, onde a Menina descobre sua verdadeira essência, assistida por mulheres pertencentes a outro universo, mais tarde será substituído por alguns elementos que compõem o próprio figurino da artista, que ainda está se descobrindo. Então, os passos largos e contados são substituídos por gestos singulares e delicados, agora da mulher já figurativa, que depende de um esforço de reconhecimento da própria personagem para a construção do ambiente cênico.

A interposição cultural acontece de forma intensa no final do espetáculo com a dança butô representada pela figura da própria Carmen Miranda, que ao ser colocada em cena com uma máscara, fugindo da própria convenção da dança que pretende o corpo nu por ser uma revelação da alma, leva o espectador a uma nova relação, voltando a seu imaginário às formas teatrais antigas, aos jogos de máscaras que compunham o teatro oriental e ocidental em sua essência, confirmando mais uma vez a rigorosa composição estética dessa representação. Esse intercruzamento artístico, representado em cena pela figura de Carmen Miranda, que se entrega a essa dança de forma intensa, revela-se como ponto de imbricação entre culturas diferentes em uma situação de harmonia e encantamento.

Enfim, ao assistir tal espetáculo, é necessário da parte do espectador libertar-se de alguns pré-conceitos para se deixar envolver pela composição de signos oferecida pela encenação e suas metáforas.

Karyna Bühler de Mello é graduanda do curso de Letras pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e integrante do grupo de pesquisa Crítica Literária Materialista.

(Texto escrito como exercício da oficina Cultura da Crítica, no âmbito da Mostra de Teatro Contemporâneo. Não possui caráter valorativo).

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