segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Crise em cena


Em Pequeno Tratado Sobre a Morte, apresentada pelo Grupo Teatro de Câmera (Maringá / PR), o público – restrito a cinquenta pessoas – é convidado fazer parte, no palco, do interrogatório entre uma mulher (Jucélia Cadamuro) e um homem, interpretado pelo diretor e autor do texto, Paulo Campagnolo. Entre eles, o abismo da ausência – não só a falta sentida na inexplicável experiência da morte, mas uma ausência sentimental existente na relação entre esses dois personagens. Construída à base de um claro rigor textual, os dramas subjetivos dos personagens são revelados através de um interrogatório denso, da intensidade do diálogo aos nervos, à luz fosca de um ambiente inebriado pela fumaça de cigarro que compõe o cenário.
             A cena, bastante realista, é também minimalista: de um lado uma pequena mesa com um rádio, alguns maços de cigarro e duas cadeiras revelam o ambiente cotidiano de uma sala qualquer. Frente a frente, é nesta sala onde os dois personagens resolvem suas pendências passadas através do interrogatório da personagem feminina. O retorno ao passado revela a distancia da dinamicidade das ações dramáticas: o mergulho é no fluxo de pensamento, no drama individual, numa espécie de flashback das memórias de um individuo conturbado, na ausência de movimentação dos atores. Do lado oposto da saleta, uma cama adornada com velas sugere uma espécie de ritual fúnebre, um desejo de se encontrar pela dimensão metafísica do homem, em plena crise existencial. Compondo a cena no palco, o público é convidado a observar o caos da instabilidade das relações, mas sem dele participar – a plateia transforma-se em lentes que observam o mundo psicológico, mas apagada pela iluminação sempre focada nos personagens. 

              O vazio sentimental das relações sedimentadas da vida burguesa é exposto nesse jogo de indagações entre os personagens. Fica clara uma espécie de neurose nutrida por expectativas não realizadas numa relação a dois pela personagem feminina. E o que vemos no palco é o grande clímax, talvez pouco crítico, de um drama pessoal bastante subjetivo. Nas peripécias do desejo de um relacionamento estável e burguês, o homem, que tira de si a autonomia de controlar seu próprio destino entregando ao outro a responsabilidade de sua autossatisfação, vê-se perdido ao ter suas expectativas frustradas.
            Enfim, ao propor a quebra da configuração tradicional do espetáculo teatral – eliminando a distancia entre palco e cenário – trazendo à cena o mergulho psicológico em oposição às cenas dinâmicas, Pequeno Tratado Sobre a Morte sugere uma pausa para a empatia subjetivista, cujos efeitos nem sempre são nocivos. Se nas peças apresentadas até então na Mostra de Teatro Contemporâneo de Maringá 2012, viu-se a quebra de todo o rigor formal em oposição a um teatro tradicional, como em Luis Antonio – Gabriela (Cia Mungunzá / SP) ou Foi Carmem (Grupo de Teatro Macunaíma & Centro de Pesquisa Teatral do SESC / SP), nesta, o rigor do trabalho textual emoldura as divagações psicológicas do homem em crise, comprovando uma interessante e rica heterogeneidade da mostra, que em muito contribui para o debate acerca do fenômeno teatral contemporâneo na cena brasileira.  

Thaís Tolentino: Professora na rede pública de ensino e integrante do grupo de Crítica Materialista na Universidade Estadual de Maringá.

 (Texto escrito como exercício da oficina Cultura da Crítica, no âmbito da Mostra de Teatro Contemporâneo. Não possui caráter valorativo).

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