A cena, bastante realista, é também minimalista:
de um lado uma pequena mesa com um rádio, alguns maços de cigarro e duas
cadeiras revelam o ambiente cotidiano de uma sala qualquer. Frente a frente, é
nesta sala onde os dois personagens resolvem suas pendências passadas através
do interrogatório da personagem feminina. O retorno ao passado revela a
distancia da dinamicidade das ações dramáticas: o mergulho é no fluxo de pensamento,
no drama individual, numa espécie de flashback
das memórias de um individuo conturbado, na ausência de movimentação dos atores.
Do lado oposto da saleta, uma cama adornada com velas sugere uma espécie de
ritual fúnebre, um desejo de se encontrar pela dimensão metafísica do homem, em
plena crise existencial. Compondo a cena no palco, o público é convidado a
observar o caos da instabilidade das relações, mas sem dele participar – a plateia
transforma-se em lentes que observam o mundo psicológico, mas apagada pela
iluminação sempre focada nos personagens.
O vazio
sentimental das relações sedimentadas da vida burguesa é exposto nesse jogo de
indagações entre os personagens. Fica clara uma espécie de neurose nutrida por
expectativas não realizadas numa relação a dois pela personagem feminina. E o
que vemos no palco é o grande clímax,
talvez pouco crítico, de um drama pessoal bastante subjetivo. Nas peripécias do
desejo de um relacionamento estável e burguês, o homem, que tira de si a
autonomia de controlar seu próprio destino entregando ao outro a
responsabilidade de sua autossatisfação, vê-se perdido ao ter suas expectativas
frustradas.
Enfim, ao propor a quebra da
configuração tradicional do espetáculo teatral – eliminando a distancia entre
palco e cenário – trazendo à cena o mergulho psicológico em oposição às cenas
dinâmicas, Pequeno Tratado Sobre a Morte
sugere uma pausa para a empatia subjetivista, cujos efeitos nem sempre são
nocivos. Se nas peças apresentadas até então na Mostra de Teatro Contemporâneo
de Maringá 2012, viu-se a quebra de todo o rigor formal em oposição a um teatro
tradicional, como em Luis Antonio – Gabriela (Cia Mungunzá / SP) ou Foi Carmem (Grupo de Teatro Macunaíma
& Centro de Pesquisa Teatral do SESC / SP), nesta, o rigor do trabalho
textual emoldura as divagações psicológicas do homem em crise, comprovando uma
interessante e rica heterogeneidade da mostra, que em muito contribui para o
debate acerca do fenômeno teatral contemporâneo na cena brasileira.
Thaís Tolentino: Professora
na rede pública de ensino e integrante do grupo de Crítica Materialista na
Universidade Estadual de Maringá.
(Texto
escrito como exercício da oficina Cultura da Crítica, no âmbito da
Mostra de Teatro Contemporâneo. Não possui caráter valorativo).
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