quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Carmen à Mostra


O ator Lee Taylor / foto: Rafael Saes

Exercício crítico por Cláudia Pegini

É surpreendente testemunhar a realização da 2ª Mostra de Teatro Contemporâneo em Maringá. A ousadia da programação, voltada explicitamente para o teatro de pesquisa e de grupo, denuncia o anseio dos organizadores em fazer de uma cidade, no interior do Paraná, o palco de peças que escapam aos moldes mais assimilados pelo público. Fica patente a vocação daMostra em educar a sensibilidade local para a experimentação estética, projeto que está em curso para quem se arriscar a sair do comodismo da compreensão instantânea de estruturas dramáticas convencionais e se lançar à participação do evento, que acontece entre os dias 7 e 26 de agosto.

A peça de estreia tem assinatura de prestígio: o grupo de teatro Macunaíma & Centro de Pesquisa Teatral do Sesc-SP, liderado pelo inesgotável Antunes Filho. É dele a concepção e a direção de Foi Carmen, uma obra que consegue homenagear o ícone da música e dos cinemas, Carmen Miranda, sem lançar mão de clichês.

O palco despojado explicita que a peça está centrada na atuação de cada um dos quatro competentes atores, os quais assumem papeis que abarcam as projeções de Carmen, pois dela só restam os reflexos. O reflexo da Menina (Mariah Teixeira) obstinada e meticulosa que admira e se sente Carmen; o reflexo do Malandro (Lee Taylor, irrepreensível) que se reconhece na musa, perseguindo o legado por ela deixado; o reflexo na alegria e na exuberância da Passista (Patrícia Carvalho); e, de modo mais intenso, na que foi Carmen Miranda (Emilie Sugai), figura que executa com os movimentos sutilíssimos do butô, do japonês Kazuo Ohno, a dança de quem se despoja de todos os adereços, de todos os movimentos coreografados que acabaram por construir a identidade pública da artista, cedendo espaço para a manifestação de uma outra identidade, de uma dança liberta dos movimentos condicionados.

Entre a peça de estreia e a Mostra como um todo há uma bonita convergência: assim como a Carmen de Antunes Filho se projeta e se liberta da imagem que em torno de si se formou, o teatro de Maringá se afirma e se abre para outras possibilidades de ação dramática, a partir da consolidação da segunda edição desse evento.

Cláudia Pegini é professora da PUC-PR e do Colégio Nobel.

(Texto escrito como exercício da oficina Cultura da Crítica, no âmbito da Mostra de Teatro Contemporâneo. Não possui caráter valorativo).

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