sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A desmistificação de um símbolo nacional


Atriz Mariah Teixeira, Menina em Foi Carmen / foto: Rafael Saes


Exercício crítico por Thaís Tolentino


Na peça Foi Carmen (2005), dirigida por Antunes Filho e apresentada pelo Grupo Teatral Macunaíma & Centro de Pesquisa Teatral do Sesc-SP, a imagem do estereótipo nacional é desmistificada nas figuras de Carmen Miranda, interpretada pelas atrizes Mariah Teixeira e Emilie Sugai, e do típico “malandro do morro”, interpretado por Lee Taylor. O próprio título deixa a sugestão: Carmen foi-se, é passado. Ao retornar ao passado – colocando no palco não a agilidade da ação dramática, linear, mas gestos pantomímicos típicos da dança oriental butô – o brilho reluzente e a voluptuosidade do símbolo Carmen Miranda, ao lado do Malandro, são desconstruídos.

Em cena, os retornos e avanços temporais, que se alternam ora na figura de Carmen adulta, ora na do Malandro, passando pela infância da cantora e ao seu fim, fazem com que o estereótipo nacional perca sua aura durante o espetáculo – o brilho ofuscante da protagonista ganha tons opacos e Carmen Miranda é exibida sem face, utilizando apenas o seu chapéu exuberante adornado com bananas. Se Carmen enquanto criança exibe-se em cima de caixotes que servem como uma espécie de palco para a pequena cantora, no final da peça a mesma oferece suas bananas ao público, despindo-se de suas couraças e adornos.

A musicalidade da peça rege todo o desenvolver da ação dramática. O caminhar dos personagens é marcado por passos fortes, por gestos de tal maneira assertivos que sugerem ao telespectador a presença de uma neurose. Enquanto criança, Carmen conta seus passos a todo o momento e seus passos são mecânicos – com exceção quando ela está no palco. Embora não haja diálogo entre os personagens através da língua conhecida do público, a ação se revela através do uso de um dialeto pelo Malandro bem como pela sucessão de canções e marchinhas de Carmen Miranda.

Os elementos orientais veementemente marcados na peça – como a musicalidade, os gestos vagarosos típicos do butô, a utilização de máscaras – são utilizados, segundo Antunes Filho em entrevista para o jornal O Correio Braziliense, em homenagem ao centenário de Kazuo Ohno, dançarino japonês que desenvolveu essa técnica de dança marcada pelo expressionismo dos movimentos após a 2ª Guerra Mundial. Esteticamente, o que se percebe no palco é o choque entre a forma – a do teatro oriental – e o conteúdo – a desconstrução da figura icônica brasileira. Oposição esta que apenas ilustra inúmeras outras presentes e bem marcadas ao longo do espetáculo como vida e morte, cultura nacional e mercantilização da cultura, samba do morro e o música para exportação.

Enfim, torna-se praticamente impossível desassociar a peça Foi Carmen das reflexões acerca da desmistificação do estereótipo nacional. Se formalmente a quebra da ilusão cênica se dá através da apropriação dos elementos da dança de Kazuo Ohno, no palco essa apropriação ganha o tom nacional. E nem sempre ele tem as cores brilhantes e luminosas pintadas em torno de Carmen Miranda na sociedade Ocidental – ela pode ser vista pela ótica fúnebre da decadência.

Thaís Tolentino é professora na rede pública de ensino e integrante do grupo de Crítica Materialista na Universidade Estadual de Maringá.

(Texto escrito como exercício da oficina Cultura da Crítica, no âmbito da Mostra de Teatro Contemporâneo. Não possui caráter valorativo).

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