segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O anti-herói da família

Marcos Felipe e Lucas Beda, da Mungunzá / foto: Bob Sousa

Exercício crítico por Wilame Prado

Histórias de família costumam emocionar. Engraçadas ou tristes, podem ser tema certeiro para qualquer público se identificar. Afinal, todos temos uma relação forte com famílias, seja dotada de alegria ou, na maioria das vezes, de drama. As coisas absurdas que acontecem “nas melhores famílias” são palpáveis para a dramaturgia. Traços reais da vida, portanto, podem servir para dar corpo a um espetáculo.

Luis Antonio – Gabriela, espetáculo apresentado pela Companhia Mungunzá de Teatro, no Barracão, dentro da 2ª Mostra de Teatro Contemporâneo em Maringá, conta a história dramática e real de uma família. Mais precisamente, a família do próprio diretor Nelson Baskerville. Uma família que passa por problemas. Na verdade, um problema central: um filho gay que vira travesti, um Luis Antonio que vira Gabriela em épocas de ditadura militar no País, período em que a homossexualidade é fundamentalmente um problema a ser consertado.

A junção de dois fatores centrais – o fato de ser uma história real de família e o fato de o protagonista do espetáculo ser um gay que vive dilemas existenciais desde a infância – poderia ter transformado a peça em dramalhão barato, em novela mexicana. Mas não. Atores e criadores de Luis Antonio – Gabriela ousaram e, incrivelmente, acertaram em tudo no espetáculo: na composição do cenário, na expressão corporal, na música e na dança e nas mais variadas formas de se apresentar um texto. O espetáculo, que foi um dos mais aguardados para a Mostra deste ano, tem tudo para também ser o mais elogiado e aclamado pelo público maringaense, que lotou o teatro e que não segurou as lágrimas e a emoção durante toda a peça, que tem duração de uma hora e quarenta minutos.

Transmitir a forte frase “Eu não soube nascer, mãe”, escrevendo cada palavra dela em uma bexiga, enchendo-a em frente a uma câmera que retransmite ao vivo, num telão, as imagens daquela frase sendo composta para toda a plateia ler, eis um dos exemplos de como a Mungunzá soube ser criativa, prática e única para ressaltar determinados trechos memoráveis e dotados de significados do texto. Além de bexigas, letreiros digitais e letras compostas de canções executadas com maestria e humor – perfeitamente encaixáveis nas cenas – foram recursos cênicos que deram certo no espetáculo.

A morte costuma santificar ou transformar pessoas em heróis. Logo no início do espetáculo, o diretor Baskerville santifica, com razão, a sua mãe, justamente por ela ter morrido em seu parto. Em se tratando da morte do irmão, que nasceu Luis Antonio, apelidado de Bolota e que se transformou em Gabriela, não há beatificação e nem heroísmo em sua trajetória errante entre o lar infantil, as ruas de São Paulo e finalmente os tempos áureos, mas logo depois transformados em decadentes em Bilbao, na Espanha. Baskerville faz dessa obra um singelo pedido de desculpas ao irmão por não ter sabido lidar com esse tipo de situação, assim como acontece com muita gente, com muitas famílias.

Oferecendo sexo oral para os santos nos céus pós-morte, Gabriela, com seu bipolarismo, sempre com a gargalhada e com as lágrimas fáceis, deve ter gostado da homenagem do irmão em forma de espetáculo teatral. Bom, se Gabriela não gostou, pelo menos crítica e público já reconheceram Luis Antonio – Gabriela como um espetáculo essencial para se ver. Citando só alguns dos vários prêmios conquistados pela Companhia Mungunzá com essa montagem, destaca-se o Prêmio Shell de Teatro, no qual a peça teve cinco indicações e conquistou a categoria de melhor direção. No papel de Luis Antonio e de Gabriela, o ator Marcos Felipe também foi indicado e agraciado, merecidamente, em outros diversos prêmios.

Wilame Prado é repórter e cronista do Diário de Maringá.

(Texto escrito como exercício da oficina Cultura da Crítica, no âmbito da Mostra de Teatro Contemporâneo. Não possui caráter valorativo).

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