quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Não temos banana e nem Carmen Miranda

A atríz e dançarina Emilie Sugai / foto: Rafael Saes

Exercício crítico por Wilame Prado


O diretor Antunes Filho, no espetáculo Foi Carmen, que abriu a 2ª Mostra de Teatro Contemporâneo – Maringá 2012, na noite de terça-feira, 7, no Teatro Marista, conseguiu resolver o problema da morte do ídolo humano, mas com a sobrevivência do mito não humano, ao descolar o rosto de Carmen Miranda na mais marcante, tensa, dramática e até aterrorizante cena do espetáculo que teve duração de 50 minutos e foi assistido por cerca de 300 pessoas.

Com o rosto de uma Carmen Miranda (tateante como cega) envolto num tenebroso laço preto, a figura da diva (interpretada por Emilie Sugai) invade o palco acompanhada de uma música de suspense. Imediatamente, toda alegria sempre irradiada dos ares vindos do lado da cantora se transforma em uma melancolia chocante. Nessa hora se percebe que Carmen humana já morreu, ainda que sempre sua áurea estará dando ecos por aí. Ainda sobre a intensidade da cena, vê-la sem rosto (o rosto é alma?) é algo que relembra um cinema feito por David Linch, com seus humanos fazendo atividades cotidianas como passar roupa, ver TV, falar ao telefone, só que também sem rostos, e sim com caras de cavalos.

Claro que Foi Carmen, escrita por Antunes Filho e encarada de maneira tão séria pelo Grupo de Teatro Macunaíma & Centro de Pesquisa Teatral (CPT) do Sesc-SP, não se resume a apenas uma cena, a apenas uma ausência de rosto. No primeiro movimento do espetáculo, quando a menina que brinca de ser Carmen Miranda (por Mariah Teixeira) tenta preencher um palco grande com todo seu pequeno tamanho, já ocorrem pinceladas do que a plateia poderá esperar: sutilezas dramáticas em meio a cenas que se pretendem como comédia não existente, apenas pressuposta.

A partir do segundo movimento, com a entrada do malandro, é a hora em que se são arrancadas algumas gargalhadas da plateia, principalmente com o ator Lee Taylor afiadíssimo com o “fonemol”, a língua inventada. Mas a parte engraçada logo se esvai; é quando o Malandro, em suas eternas andanças, em seus trejeitos, em suas danças, assusta-se ao ficar de frente com o mito Carmen Miranda. O mito sem face sobrevive por meio da vitrola, dos discos de vinil ainda que empoeirados; sobrevive com as réplicas que dão uma pseudo vida para Carmen Miranda por meio da boneca; sobrevive ainda graças aos seus objetos característicos, mas tão sem vida, como um salto alto, penduricalhos e, claro, um farto cacho de banana de plástico (fake).

Yes, temos banana? No! Não temos banana. A perda da vida é triste. E por mais que se tenha um pequeno alento kitsh com réplicas e discos na vitrola que não param de tocar, é mesmo muito triste para o fã, sempre atrás de um mito, saber que o humano perde a vida, que o humano é mortal, que não temos Carmen Miranda em nosso meio. E assim, deixando no chão tantos objetos que apenas simbolizam o mito de Carmen, é que se percebe que, quando desconstruído, o mito, passa pelo questionamento da clássica canção de Dorival Caymmi que Carmen tanto gostava: o que é que o mito tem? A baiana, pelo menos, tem torço de seda, brincos de ouro, corrente de ouro e pano-da-costa.

E se Carmen humana morre, o alento vem em forma de despedida a la Kazuo Ohno, muito bem colocada com a dança butô, misto de partida e esperança. Mas se tudo acaba mesmo em samba, com Carmen Miranda não poderia ser diferente. O samba é lindo, e talvez até consiga um resquício de sobrevida mesmo para o humano mortal. Confetes que caem, samba que movimenta a todos (pessoas saíram do teatro mostrando o samba no pé) e a comemoração fica também ao entender que Antunes Filho, mesmo em homenagem póstuma e dilacerante para Carmen, mostra que não é tão pessimista assim.

Wilame Prado é jornalista e escritor, repórter do caderno cultural D+ de O Diário do Norte do Paraná em Maringá.

(Texto escrito como exercício da oficina Cultura da Crítica, no âmbito da Mostra de Teatro Contemporâneo. Não possui caráter valorativo).

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