sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Ou não!


O ator e diretor Luiz Paëtow em Peças / foto: Érica Campos

Exercício crítico por Julia Nascimento

O conhecimento só pode ser alcançado parcialmente, o que percebemos da realidade são fragmentos. Pedaços sem sentido (frases) que, concatenados, formam uma unidade (parágrafos). Essa é, basicamente, a primeira discussão colocada em cena. Peças (2005), escrita, dirigida e interpretada por Luiz Päetow, trata da assimilação fragmentada que se tem tanto do espetáculo teatral, como da ‘vida real’. A partir do texto de Gertrude Stein (1874–1946), o ator estabelece uma teoria do teatro como acontecimento coletivo de intercâmbio entre palco e público.

A tese é desenvolvida com constante quebras de expectativas. O ator focaliza o desejo e a espera do público pela ação, suscitando reflexões sobre dois acontecimento diferentes, mas interdependentes: o fazer e o assistir ao teatro. O discurso segue a mesma perspectiva fragmentada, ora lento e arrastado ora rápido e desconexo, sempre acompanhando o fluxo de consciência do ator. A fala acompanha os movimentos inesperados e mudança repentina de lugar.

A intenção do ator é a primeira barreira a ser vencida, o público, entretanto, ainda tem de lidar com a complexidade do conteúdo. Para o público não-especializado, Peças pode ser apreendida apenas parcialmente. Estão presentes conceitos complexos que se aproximam de discussões realizadas no campo da física quântica, a respeito de tempo, luz e som. Na sua adaptação desses questionamento, o ator ainda agregou um quarto elemento: a emoção.

Seguindo a abordagem do espetáculo de dança Ocorrências - dirigida pelo próprio Luiz Päetow -, a luz tem papel fundamental na narratividade da peça, selecionando o que o público pode ou não ver. Além de esconder ou revelar, a luz ainda pode criar efeitos de sombra, a fim de ilustrar a existência de dois tempos diversos: o da narração e o da narrativa. É possível pensar, ainda, na disparidade entre narrativa (o que acontece no palco) e tempo real (o que acontece fora dele), e como essa relação determina as emoções experimentadas pelo espectador.

É inevitável pensar na relação entre luz e existência. Quando o público fica escuridão, a luz ganha uma dimensão absurda, como se aquilo que não se vê estivesse sofrendo um processo de desconstrução, sem o seu conhecimento. Assim, o espectador espera pela ação, pois é só por meio dela que ele pode entender do que se trata o espetáculo e qual é o seu papel nele.

A ação dramática, substituída pelo fluxo de consciência, aproxima o ator do mágico. Ele utiliza as palavras para criar novas realidades - como a da pequena menina na chuva - e apresentar truques para uma platéia não acostumada com a fantasia. Retornam à memória as narrativas infantis e o prazer de esperar pelo próximo capítulo da história.

A identidade de Luiz Päetow se mistura à do ator em cena. Unem-se, portanto, suas impressões iniciais sobre teatro, sua experiência como ator, diretor e dramaturgo com a vontade de refletir o teatro em Peças.

Apesar do texto hermético, o ator incita questionamentos pertinentes: “O que te deixa nervoso, te incomoda durante um espetáculo? As coisas precisam ser assim? Ou não”. Ou não foi uma das expressões repetidas durante a apresentação. De um modo geral, Peças mostrou que o teatro não precisa ser de uma única maneira. É claro que suspender as certezas não é fácil, por isso o incômodo é inevitável. O que fazer quando nem o final do espetáculo é definido? Continuar sentado, levantar e sair? E os agradecimentos? O ator precisa agradecer e o público bater palmas. Ou não!

O criador em outro momento da obra / foto: Ines Arigoni

Julia Nascimento é graduanda do curso de Letras pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e integrante do grupo de pesquisa Crítica Literária Materialista.

(Texto escrito como exercício da oficina Cultura da Crítica, no âmbito da Mostra de Teatro Contemporâneo. Não possui caráter valorativo).

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