sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Anticatártico

Luiz Päetow em Peças / foto: André Lucena


Exercício crítico por Thaís Tolentino

Se a velocidade das ações no mundo real impede a reflexão sobre a verdadeira essência das emoções, em Peças (Luiz Päetow, SP, também o diretor de Ocorrências nesta Mostra) essa essência transforma-se em distensões temporais, em uma suspensão no presente que, através do fluxo lógico das falas do ator, coloca frente a frente os limites entre a arte e a vida real. Ao colocar em jogo a oposição entre o estar no palco e o estar no mundo, a peça explica-se a si mesma, mas não através da lógica da ação dramática e sim questionando o público de forma direta sobre suas próprias concepções acerca da arte dramática. A não linearidade e os vazios incomodam. No entanto, é através do incômodo do texto fragmentado que as frases soltas – algumas vezes quase ilógicas – ganham sentido.

A ausência da ação dramática – substituída pelo monólogo que sustenta todo o discurso metateatral do ator – provoca uma distensão do tempo presente. A velocidade da fala ganha ritmo e desacelera dentro de uma mesma frase, provocando o experimentar pleno do instante. No entanto, a empatia é quebrada pela desmistificação do processo catártico pelo ator, que leva o publico a refletir sobre qual a verdadeira razão das emoções quando todos encenam a todo o momento. O início e o final não marcados da peça provocam a dúvida, ou, no mínimo, deixam lacunas, entre os limites do tempo real e do tempo da encenação, colocando o espectador no incomodo lugar da dúvida.

A emoção é dissecada na cena como um processo – e ao desmistifica-la, provoca no ambiente uma desestabilidade lógica. Torna-se quase emocionante não encontrar uma resposta para o que é, afinal, a emoção que separa o palco e o público. Este observa, fora da zona de conforto do teatro convencional, o mundo emocional do ator. No entanto, essa observação exige um posicionamento ativo, ainda que seja de reação à ausência de um texto nas peças. A peça não fala de uma história, ela fala de si mesma. Enfim, tomando por base o texto de Gertrude Stein, Luiz Päetow rejeita as preocupações tradicionais de tempo, espaço e linearidade das ações para colocar em cena, através das falas dirigidas ao espectador, o incômodo limite entre a arte e a realidade. Os movimentos por todo o ambiente, acompanhados pelo compassivo monólogo que se estende de forma lenta, fazem com que o publico entre num jogo de busca de sentidos – e acaba perdido na distensão do tempo do palco. E a dúvida permanece: o que são, afinal, as peças?


Thaís Tolentino: Professora na rede pública de ensino e integrante do grupo de Crítica Materialista na Universidade Estadual de Maringá.

(Texto escrito como exercício da oficina Cultura da Crítica, no âmbito da Mostra de Teatro Contemporâneo. Não possui caráter valorativo).

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