sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Uma identidade de múltiplas faces


O ator Lee Taylor / foto: Rafael Raes

Exercício crítico por Karla Morelli

O espetáculo Foi Carmen possui muitas particularidades que são desencadeadas de uma cena para a outra. A peça mostra-nos que é possível, através da imaginação, criar situações, sentimentos e, muitas vezes, sentir momentos irreais que podem ser vivenciados na singularidade de cada indivíduo. Antunes Filho, o diretor, soube mostrar os elementos sinestésicos através das cenas e das amarrações compostas entre estas.

A peça não recorre ao uso da palavra; e quando ela surge não é uma língua entendida, mas intencionalmente inventada, a qual foi criada pela própria companhia teatral (Grupo de Teatro Macunaíma e Centro de Pesquisa Teatral do Sesc-SP). O que interessa não é saber o que foi dito, mas imaginar e deixar-se levar através da interpretação de cada um enquanto espectador. Dessa forma, os personagens podem ser identificados como universais, pois é através da língua que se dá a identidade de um povo.

Percebe-se que o mais importante na peça é a sequência de como as cenas vão acontecendo, aparecendo e sendo diluídas. A narrativa faz com que o espectador crie uma tensão em relação ao que está acontecendo, e uma expectativa de como será o próximo passo das personagens e como essas serão assimiladas e entrelaçadas entre si. Observa-se que em todos os atos há a aparição de um objeto específico, e esse é o responsável pela amarração das cenas.

Nota-se que os objetos utilizados possuem uma identidade própria que é atribuída ao elemento central: Carmen Miranda. Desse modo, cada personagem que entra em cena acaba se influenciando com determinado apetrecho que é contido no palco, e este se responsabiliza pelo desenrolar de todo o ato.

A identidade mística de Carmen Miranda, vivenciada pela atriz Emile Sugai, não foi exposta com a aparição do rosto, mas observa-se, nitidamente, a presença da personagem através dos gestos, figurinos, adereços e a voz que é transmitida por meio das músicas. Esses e outros elementos configuram a identidade da artista que habitou no imaginário de um Brasil que foi capaz de exportar para o entretenimento global uma joia rara.

Em relação à peça, compreende-se que esta exige muita concentração para o entendimento. Desse modo, talvez alguns espectadores criem uma expectativa em relação ao que pretendem assistir, e ao assistirem se deparam com uma ideia totalmente diferente daquilo que se esperava, pois Foi Carmen é muito rebuscada e mostra pouco sobre a biografia da artista que possui uma um universo imensurável de informações. O importante é que quem assista saiba levar em consideração que a narrativa mostra apenas uma pincelada do que foi Carmen, e que a mesma está sempre em cena, seja através dos diversos objetos (microfone, brincos, colares, pulseiras, turbante, etc.) ou das músicas.

O diretor procurou associar as características artísticas e coreógrafas de Carmen à dança butô (dança das trevas, de origem oriental). Essa associação rendeu muito à peça, pois a companhia teve a oportunidade de apresentá-la no Japão para a comemoração do 100° aniversário do mestre do butô, Kazuo Ohno. No momento em que a atriz Emilie Sugai (enquanto Carmen Mascarada) entra e faz a dança butô, suas articulações, gestos e expressões corporais acompanham toda a melodia. Ela mostra que é possível atribuir identidade à personagem central mesmo sem ter o rosto em evidência ou estar de frente para o público.

É importante que o espectador atente aos acontecimentos e às amarrações, note que a Carmen apresentada nas cenas é uma Carmen universal, sem uma característica própria. Uma criação imaginária e idealizada que cada personagem possui em relação ao ser insubstituível e mitológico que não projeta uma, mas várias outras faces (cantora, coreógrafa e atriz) e uma imensidão sem igual.

Karla Morelli é aluna não-regular de mestrado em letras na UEM e pós-graduanda em Arte e Educação pelo Instituto Paranaense de Ensino (IPE). Integrante e pesquisadora da Cia. Manipulando Teatro de Animações.

(Texto escrito como exercício da oficina Cultura da Crítica, no âmbito da Mostra de Teatro Contemporâneo. Não possui caráter valorativo). 




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