terça-feira, 14 de agosto de 2012

Aglaja agora cozinha na polenta

A atriz Sandra Modesto / foto: Rafael Saes

Exercício crítico por Karla Morelli

Por se tratar de uma peça contemporânea, há o excesso de informações, muitas coisas acontecem ao mesmo momento, em diferentes ambientes e em diferentes situações.

O início da peça Porque a criança cozinha na polenta, da Companhia Mugunzá de Teatro, chega a dar um nó na cabeça do espectador. Há a musicalidade enquanto as personagens correm de um lado para o outro e falam várias coisas de uma só vez, é um caos total. Isso se deve à amplitude de informações em que, obrigatoriamente, vivenciamos no mundo atual. Assim, o cérebro, mesmo sem esperar, deve estar “ligado” a todas as informações e tentar assimilá-las sem ao menos ter o tempo de processá-las.

Ao terminar todo o “fuzuê”, inicia-se a história de uma menina que tem os pais artistas de circo: pai palhaço e mãe trapezista. O pai, interpretado pelo ator Marcos Felipe, é um ser psicótico, alcoólico e violento que mantém uma vida afetiva com a filha, interpretada por Verônica Gentilin, do primeiro casamento; a mãe, interpretada por Virginia Iglesias, é caracterizada pela infidelidade e vive dependurada pelos cabelos: “Talvez o cérebro dela se estique”, segundo a criança, protagonista autobiográfica da autora romena Aglaja Veteranyi, interpretada por Sandra Modesto. O sonho de Aglaja é ser atriz de cinema e romper com as tradições circenses da família.

A peça mostra que tudo se é feito na base da troca, que nada ocorre sem a barganha. Que tudo se vende: sapato, roupa, órgãos e cabelo, e nada mais se escapa do mal do capitalismo, o qual cada vez mais é presentificado. A encenação mostra a desvalorização do ser humano, a valorização do dinheiro e o individualismo que cada vez mais vem à tona e distancia as pessoas.

A expressão-título Porque a criança cozinha na polenta é dita inúmeras vezes no decorrer do texto, e sempre que se é utilizada é para amedrontar a menina.

A Companhia Mugunzá soube demonstrar a mensagem através de um misto de informações, com um fundo documentário da época de ditadura que a família vivenciava, trazendo sinestesias ao espectador.

Muitas coisas acontecem juntas, enquanto uma personagem está em cena, há a aparição: da legenda, do documentário ou dos filmes caseiros elaborados pelo pai de Aglaja; existe, também, o correr ou dançar das demais personagens. Ato por ato se passa numa mistura total, em todas as cenas há a exibição de uma personagem feminina (mãe ou irmã de Aglaja) que sempre mexe a polenta que na verdade é um prato típico romeno, o goulash, o qual é preparado no decorrer da peça. Enquanto tudo acontece, o espectador sente o cheiro da comida que se mistura às cenas de sexo, violência, sonhos, lembranças, entre outros acontecimentos numa época sofrida em tempos de ditadura.

Quanto ao recurso midiático, neste temos diversos momentos em que o pai faz seus filmes caseiros e apresenta-os, há a aproximação do pai com o público, pois enquanto tem-se a transmissão do filme caseiro, o pai narra as situações de elaboração de cada curta. Através do recurso midiático, os espectadores observam os fatos colocados na legenda e nas imagens que são transmitidas durante a peça.

A peça é de uma magnitude imensa. E mostra ao espectador que sonhar é possível, mas que nem sempre os planos ocorrem como se espera e nem sempre, ao se alcançar a glória, obtém-se o sucesso. Aglaja, menina sonhadora, agora cozinha na polenta, pois tem um final trágico e comete o suicídio.


Cena de Porque a criança cozinha na polenta - foto: Rafael Saes

Karla Morelli é aluna não-regular de mestrado em letras na UEM e pós-graduanda em Arte e Educação pelo Instituto Paranaense de Ensino (IPE). Integrante e pesquisadora da Cia. Manipulando Teatro de Animações.

(Texto escrito como exercício da oficina Cultura da Crítica, no âmbito da Mostra de Teatro Contemporâneo. Não possui caráter valorativo)


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